O segundo dia de Flip teve, ao meio-dia, sua primeira mesa, Arqueologia de um autor, no Auditório da Matriz. Os pesquisadores Beatriz Resende, Felipe Botelho Corrêa e Edimilson de Almeida Pereira abordaram os ecos e as novas vertentes de pesquisa abertos pela obra de Lima Barreto, autor homenageado dessa edição do evento. A discussão sobre racismo e marginalização também pontuou a fala de Pereira. “Lima escrevia com assombro, escrevia com susto”, disse, referindo-se à escrita que nasce de “um corpo em risco, [um] corpo ameaçado”.
Esses “corpos ameaçados” assumiram o protagonismo da mesa Zé Kleber, realizada no Auditório da Praça, às 10h, na programação do Território Flip/Flipinha. Laura Maria dos Santos, arte-educadora da comunidade quilombola Campinho da Independência, de Paraty, se juntou a Álvaro Tukano, escritor e pensador indígena do Alto Rio Negro, e Ivanildes Kerexu Pereira da Silva, da aldeia Guarani Mbya Itaxi e ativista pelo direito das mulheres, das crianças e dos indígenas. Em pauta, esteve a sobrevivência das comunidades tradicionais. “A gente está aqui para viver nesta terra, não para morrer”, resumiu Laura.
Na mesa Pontos de fuga, a terceira do dia, três mulheres da novíssima literatura em língua portuguesa se encontraram no Auditório da Matriz. A angolana Djaimilia Pereira de Almeida, a carioca Carol Rodrigues e a gaúcha Natalia Borges Polesso transitam entre estudos acadêmicos e escrita literária, mas foi nesta última que estabeleceram de vez sua produção textual.
Sob mediação do professor de Estudos Lusófonos Leonardo Tonus, a conversa se estabeleceu nos temas identidade, subjetividade, feminino e forma e gêneros literários. Autora de “Esse cabelo”, Djaimilia descreveu o processo de mergulho na identidade da mulher negra e em suas próprias origens. Antes dos participantes entrarem no palco, foi exibido no telão um videopoema de Josely Vianna Baptista, parte da série “Fruto estranho”, com passagens sobre o etnocídio indígena.
A quarta mesa, Fuks & Fux, no Auditório da Matriz, mostrou que os escritores Jacques Fux e Julián Fuks compartilham muito mais do que a sonoridade do sobrenome. Os dois autores, expoentes do gênero autoficção, conduziram uma conversa em torno das motivações e desafios da escrita. A fronteira entre real e ficção deu o tom do diálogo. “Não me interessa nunca a postura perigosa e niilista de romper com tudo em nome da literatura. Prefiro falar do que a gente tem dificuldade de falar. Não é algo agressivo; é, ao contrário, um gesto de aproximação”, explicou Fuks.
Uma conversa sobre a tradução do grego para o português foi o tema da mesa Odi et amo, com o lisboeta Frederico Lourenço e o brasiliense Guilherme Gontijo Flores, ambos tradutores do idioma de Homero. Mediados por Ángel Gurría-Quintana, os convidados defenderam a autonomia do texto traduzido e animaram o público no Auditório da Matriz ao declamar em grego. No mesmo encontro, a dramaturga Grace Passô apresentou a performance “Parto”, parte da série “Fruto estranho”, novidade desta edição. Voltada à ideia de transformar a leitura do texto em experiência teatral, a intervenção combinou palavras e movimentos.
Duas autoras que trabalham com memória dividiram a última mesa do dia, chamada Em nome da mãe, uma das atrações mais aguardadas da 15ª edição da Flip. Com a memória da mãe em contextos históricos marcados pela guerra e pelo extremismo (a Shoah, no caso de Noemi Jaffe, e o genocídio de Ruanda, tema de Scholastique Mukasonga), as duas autoras falaram das possibilidades da escrita como testemunho – lembrar para não esquecer, lembrar para redimir a memória; escrever por necessidade, por dever ou por ambos.
“O genocídio de Ruanda fez de mim escritora. A escrita foi um modo de dar uma sepultura aos meus, tirá-los da vala comum e construir uma sepultura de palavras, uma tumba de papel”, explicou Scholastique, sobre o genocídio do qual sua mãe e outros membros de sua família foram vítimas, em 1994.
*Texto escrito com informações da Flip. Colaboradores do Cabruuum estarão em Paraty no sábado e domingo.
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