A Saga do Monstro do Pântano, de Alan Moore (livro 1)

Continuando minha jornada para ler os clássicos das HQs com histórias para adultos, a obra da vez que vou resenhar é A Saga do Monstro do Pântano. Mais precisamente, a fase em que Alan Moore escreve sobre o Monstro do Pântano.

Reza a lenda que, em meados de 1982-1983, essa publicação estava passando por uma crise de vendas e seria descontinuada se não mudasse drasticamente. Os executivos da DC ouviram falar de um escritor que havia ganhado alguns prêmios na Inglaterra e resolveu dar uma chance para o “novato”. Essa pessoa era ninguém mais ninguém menos do que Alan Moore.

Como a expectativa era baixa e quase ninguém queria trabalhar com um personagem gigante que vinha do pântano, a DC deu grande liberdade artística para o britânico. Na primeira tiragem sob sua direção, Moore mata tanto o vilão como o protagonista da HQ. Deixando o caminho aberto para estabelecer novas premissas para aquele universo.

E o que ele fez foi impressionante. As temáticas complexas, os layouts sofisticados e a arte de nível muito alto cravaram um marco na forma de contar histórias em quadrinhos. A estética do Monstro do Pântano abriu espaço para vários artistas se expressarem por meio de linguagens mais elaboradas.  

A versão que eu li foram os 6 encadernados da Panini, relançados aqui no Brasil em 2014. A qualidade da impressão deixa um pouco a desejar. A obra merecia capa dura e um papel melhor. Por outro lado, o conteúdo não desaponta. É incrível como algo escrito há mais de 35 anos não envelheceu nadinha.

A partir de agora vou escrever sobre cada livro. Para não ficar cansativo, nesta postagem vou falar só do primeiro. Na sequência, abordo os números 2, 3 e 4 e, por último, o 5 e o 6. Fiquem avisados que vai ter spoiler. Vamos lá…

Resenha Livro 1

Este encadernado reúne 8 capítulos, o primeiro se chama “Pontas Soltas” e, como já adiantei, envolve a morte do antigo vilão da HQ, Arcane, em um acidente de helicóptero e do próprio Monstro do Pântano, metralhado em uma ação militar sigilosa.

O roteiro é bem cinematográfico, com várias linhas de personagens se entrelaçando e tirando um pouco a linearidade da narrativa. O que já é uma evolução para os quadrinhos, afinal isso foi às bancas em 1984.

Os diálogos e os fluxos de pensamento são do padrão Alan Moore – bastaaaante texto com referências de história, literatura, música, poesia, teatro, TV, enfim, cultura pop e erudita. Na primeira página, o Monstro do Pântano vai até o corpo já sem vida do seu inimigo e reconhece a ligação entre os dois. O propósito que um dava ao outro. O escritor poderia apenas matar o personagem e ponto-final, no entanto ele preferiu respeitar a história pregressa de outros roteiristas e reconheceu o valor da relação protagonista-antagonista. Era o que levava a narrativa até então. É básico, mas é brilhante.

A arte é de Stephen Bissette e John Totleben. É bacana, bem realista e influenciada pela época. E o layout, isto é, a divisão dos quadrados e retângulos com o conteúdo, começava a apresentar experimentações que, no caso, não achei tão interessantes, uma vez que os elementos ornamentais estão lá mais para serem “bonitos” do que para agregar significado ou sensação. A verdade é que a parte visual começou claudicante mas depois engrenou.

O próximo arco começa a apresentar a concepção que Moore tinha para seu protagonista e também revela um novo antagonista, Dr. Jason Woodrue – o Homem Florônico. E aqui, antagonista é a palavra adequada, porque o conceito de vilão malvado sem profundidade é trocado por personagens com motivação, traumas e psicopatias.

No capítulo “A Lição de Anatomia”, Woodrue é chamado para analisar o corpo do Monstro do Pântano que está congelado em um prédio do governo. Durante o estudo, ele tem o insight de que, quando o pesquisador Alec Holland sofreu o atentado, caindo em chamas no pântano, sua consciência se transferiu para as plantas do local. 

Ele chega à conclusão de que fisiologicamente não há mais humanidade no corpo. Só estruturas que emulam isso, portanto balas não poderiam ter danificado o cérebro, pois não havia cérebro para ferir.

É genial. Na segunda publicação, Moore já coloca todas as cartas na mesa mostrando o que tinha preparado para o protagonista. Ele transforma um herói simplório numa entidade elemental capaz de se relacionar com a natureza de forma quase ilimitada. O conceito é fascinante e as possibilidades narrativas são imensas.

Os 3 capítulos seguintes desenvolvem a trajetória do antagonista, Woodrue. Ele, que também tem características “mutantes” de planta, acredita estar ouvindo a voz da natureza. E ela lhe diz para eliminar os humanos, em retaliação por destruírem o planeta com poluição e desmatamento.

Em paralelo, o Monstro do Pântano busca por identidade. Ele não é mais humano e faz pouco sentido ficar preso às memórias de uma vida anterior, porém sua consciência ainda é a de Alec Holland. E ela precisa aceitar que Alec e sua esposa foram assassinados no atentado. E também abraçar a sua nova realidade extraordinária.

Ambos os personagens principais estão em contato com uma consciência maior, o verde do planeta. Entretanto, eles entendem as mensagens de jeitos diferentes e isso leva ao embate colossal que encerra o arco.

É também nesses capítulos que o roteirista decide plantar a semente de interesse romântico para o protagonista. Para isso, ele recupera a personagem que é filha do antigo vilão Arcane, chamada Abigail, ou Abby para os íntimos. Ele desenvolve aos poucos a relação dos dois que, apesar de inusitada, faz todo sentido. É um tipo de ponte entre o mundo supranatural com a realidade.

Os 3 últimos capítulos do primeiro encadernado têm um arco mais sobrenatural. O antagonista dessa vez é uma entidade, com silhueta de macaco, que se alimenta de medo e foi invocada para a realidade por meio de um tabuleiro Ouija, um tipo de jogo feito para conversar com criaturas do além, semelhante a nossa “brincadeira do copo”.

A entidade mata o casal que inadvertidamente a libertou, e o filho deles, que agora é órfão, vai para a instituição focada em autistas onde Abigail trabalha, o que a envolve no enredo. Ela ainda é casada, porém seu matrimônio não vai bem, principalmente porque seu marido, Matthew, é possessivo e atormentado por poderes sobrenaturais.

A trama ainda tem a participação do demônio amarelo rimador, Etrigan. Ele é atraído para a cidade e tem o objetivo de capturar a entidade recém-liberta, provavelmente para levá-la de volta para o inferno (ou só para se alimentar dela, vai saber).

A linha narrativa de cada personagem vai se intercalando até que o macaco ataca a instituição para autistas, reunindo todos nesse evento. Treta de novo. Uma planta gigante humanoide contra um macaco branco assassino cheio de presas contra um demônio amarelo metido a poeta.

Naquela altura, as forças de cada monstro meio que se equivalem. E como a entidade se alimentava principalmente do medo da criança, que teve os pais assassinados no começo da história, Etrigan decide eliminar o menino para enfraquecer a fera, mas é impedido pelo Monstro do Pântano.

O impasse só termina quando o Rei Macaco ataca Abigail, e o menino, por ter desenvolvido uma ligação emocional com Abby, enfrenta a entidade para proteger a amiga, superando seu medo. Assim, o macaco vai gradativamente perdendo força até ser devorado por Etrigan. 

O roteirista coloca a essência desse pensamento em um diálogo de Abby: “o medo gera raiva, que por sua vez gera medo. Um ciclo canceroso”. Show, não é!?

Ah, no meio dessa trama acontece algo relevante para os próximos episódios. Matthew bebe, sai de carro, bate em uma árvore e sofre um acidente fatal. Preso nas ferragens, em seus últimos momentos de consciência, ele aceita a proposta de um demônio em formato de mosca: mais tempo de vida em troca de algo não especificado.

A mosca, então, entra no corpo do acidentado pela boca e a HQ termina com Matthew encontrando Abigail no caminho para casa. O carro intacto e o motorista sem nenhum arranhão.

Título: A Saga do Monstro do Pântano – Volume 1
Autor: Alan Moore
Ilustradores: Stephen Bissette e Alfredo Alcala
Editora: Vertigo – Panini Comics
Páginas: 212
Valor de capa: R$ 60

Para quem quiser saber mais:

E aí, gostaram da resenha de quadrinho velharia? Acompanhem o Cabruuum porque nas próximas semanas vamos publicar o texto sobre os outros livros e um veredito.

Rock on, amiguinhos!

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