Wes Anderson gosta de contar histórias com contextos elaborados e em lugares exóticos. Ele cria personagens, quase todos excêntricos, e se diverte com as relações malucas e necessárias dessas pessoas imaginadas.
Apesar da aparente falta de objetividade, seus filmes normalmente querem comprovar uma ideia, um preceito simples. O cineasta tenta transmitir um conceito moral costurando situações e comportamentos, mas sem utilizar sermões.
O filme Grande Hotel Budapeste é uma história dentro de outra história sendo lida por uma personagem e contada por um escritor-narrador. Quase Inception do Christopher Nolan, só que sem tantos efeitos especiais.
A maior parte do enredo, que se passa entre duas guerras, relata um assassinato e suas consequências para o concierge M. Gustave e o lobby boy Zero Moustafa. Gustave, que é todo cheio de etiquetas, é responsável pelo gerenciamento do hotel e a satisfação dos hóspedes. Zero é um mensageiro, um faz-tudo recém-contratado.
Pela profissão, é de se esperar que um concierge seja culto, polido e discreto, um verdadeiro cavalheiro. Sua função é fazer com que as pessoas se sintam à vontade, e Gustave é impecável, o melhor da sua estirpe. No entanto, paradoxalmente, ele tem preferências um tanto superficiais e um fetiche por senhoras da terceira idade.
Quem conhece o repertório de Anderson sabe que ele vai usar as cores saturadas, os enquadramentos simétricos, a fonte futura, o figurino caricato, as posturas corporais infantis, as músicas antigas e o jeito de correr dos desenhos animados. Um cinema marcante que funciona melhor quando está a serviço da narrativa, como nas longas tomadas coreografadas que evidenciam a condução quase de maestro que Gustave aplica no Grande Budapeste.
A trama tem um quadro milionário roubado, tem amor, traição, diversas mortes, tiroteio, vilões, soldados, viagens de trem, fuga de prisão, uma sociedade secreta e até perseguição em trenós na neve. Toda essa ação, claro, é parte da história, mas serve principalmente para mostrar que respeitar o próximo, ou melhor, ser educado com o próximo é uma qualidade admirável.
Independentemente do momento, da hierarquia ou do local, sempre há um caminho para ser agradável com o outro, mesmo na cadeia, mesmo em guerra, mesmo no trabalho. Em tempos de radicalismos e bolhas (em redes) sociais, é uma premissa mais do justificável.
É impossível não se apaixonar por M. Gustave e suas idiossincrasias, suas formalidades, sua ética, sua precisão e suas regras.
Ao escolher um concierge como protagonista e extrapolar na sua polidez, Anderson deixa uma mensagem clara: pessoas como Gustave fazem falta. Pode ser antiquado, mas é uma pena que o cavalheirismo não seja mais um hábito desejável nas pessoas.
Stefan Zweig
Em entrevistas para divulgar o longa-metragem, o diretor brinca que a trama do Grande Hotel Budapeste foi afanada dos livros Beware of Pity e The Post Office Girl do escritor austríaco Stefan Zweig.
Zweig foi um dos primeiros autores a alcançar o estrelato internacional ainda em vida. Ele era uma das pessoas mais famosas do mundo antes da Segunda Guerra Mundial. Para ter uma ideia da sua popularidade, além de ser o escritor mais traduzido do planeta, ele mantinha correspondências (o nosso WhatsApp da década de 1920) com Einstein e Freud.
Na década de 1940, fugindo da guerra, ele veio para o Brasil e se instalou em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, onde, desesperançoso com o futuro da humanidade, cometeu suicídio com sua esposa.
A obra do escritor está sendo redescoberta. Especialistas avaliam que a sua literatura, apesar de interessante, acabou não se encaixando no cenário pós-guerra das décadas de 1950 e 1960.
Nota de rodapé: fico imaginando o cheiro do L’air de Panache.
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