Sinal e Ruído, de Neil Gaiman e Dave McKean

De vez em quando, surgem umas promoções livreiras pela internet afora que a gente resolve aproveitar mesmo que não tenha tempo disponível para ler… Foi o que aconteceu comigo quando comprei a HQ Sinal e ruído. No pacote, veio mais uma HQ, Mr. Punch, e dois livros, Lugar nenhum e Deuses americanos.

A oportunidade, ou melhor, o incentivo para tirar essas obras da fila (eterna) de leitura surgiu no ano passado quando o Orlando Neto, pelo perfil do Instagram @miojogeek, lançou a hashtag #promessadeleitura2019 que propôs justamente que tirássemos alguns livros e/ou HQs do limbo das leituras futuras.

A HQ é considerada uma das obras-primas da parceria entre Neil Gaiman (roteiro) e Dave McKean (arte e design). Foi publicada pela primeira vez na revista THE FACE, em 1989, mas teve outras publicações e “adaptações”: em 1992, foi revisada e publicada como graphic novel e, no ano 2000, foi adaptada para o rádio. Esta edição da Conrad foi expandida com alguns desenhos e material extra, por exemplo, os textos e introduções das edições de 1992, 2000 e 2006 e ainda contém três histórias curtinhas antes de chegarmos à principal: Hackers e Desconstrução, ambas de Mckean, e Vier Mauern, de Gaiman e Mckean.

 Sinal e ruído


Sinal e ruído inicia com algumas cenas que são interrompidas quando o personagem principal aparece dando uma entrevista. Ele é diretor e seu próximo filme é sobre o fim do mundo. 

Em outra cena, para além da badalação do mundo do cinema, descobrimos que, ao fazer um check-up de rotina, ele é diagnosticado com câncer e tem apenas alguns meses de vida.

Como essas duas cenas se relacionam? O diretor começa a criar o filme em sua mente, um filme que ninguém verá (mas nós, leitores, estamos assistindo ao filme em sua cabeça enquanto se constrói): o ano é 999 d.C., último dia do último mês do ano, pessoas num pequeno vilarejo se preparam para o fim do mundo – enquanto o diretor se prepara para o fim de seu mundo, já que vai morrer… 

As duas histórias de fins de mundos se relacionam não apenas pela narrativa do personagem que nos conduz, mas também pelas imagens e colagens utilizadas por Mckean para mesclar os dois acontecimentos. O diretor imagina as tomadas, vê pessoas na rua e as junta ao seu elenco ao mesmo tempo em que relembra fatos de sua vida em Hollywood e de quando era criança.

Ainda que acredite que o filme nunca será realizado, ele continua escrevendo o roteiro, descrevendo os personagens anônimos, filmando e produzindo em sua imaginação ao mesmo tempo em que lida com os seus sentimentos frente à doença e com a ideia da morte próxima.

“E eu me pergunto:

Por que estou escrevendo um 
filme que nunca vou filmar,
criando algo que ninguém vai ver?

O mundo está sempre acabando 
para alguém.

É uma boa fala.”

Quando finalmente termina o roteiro, para ele, o filme não é mais sobre o fim do mundo, mas sobre as pessoas. E o título que escolhe para o filme é Apocatástase, que significa restabelecimento, restauração ou restituição.

A arte da HQ é composta por desenho, fotografia e montagem, o que lembra muito as capas que Mckean produzia para Sandman, além, é claro, de transmitirem em forma de imagens a condição mental do diretor, sua confusão e o embaralhamento das coisas, das pessoas e dos sentimentos.

A sensação de ler Sinal e ruído foi como se estivesse acompanhando a história não de fora, como um leitor-expectador, mas como um leitor-coadjuvante, como se fosse um daqueles personagens anônimos do filme dentro da cabeça do diretor. 

Acredito que cada obra produza um significado diferente para cada pessoa que a lê – pra mim, que vivi o Bug do Milênio, essa temática de “virada + fim do mundo” acaba remetendo a alguns acontecimentos e lembranças… –; porém, dessa obra, o que ficou foi uma pergunta: será que a gente tem sempre que esperar pelo fim do mundo, particular e/ou coletivo, para avaliarmos o que realmente importa? (E por que eu não li essa HQ antes?!) 

“Tudo faz sentido ou nada faz. Em outras palavras, é possível dizer que na arte não existe ruído.”

Roland Barthes

Título: Sinal e ruído
Autores: Neil Gaiman e Dave Mckean
Editora: Conrad
Páginas: 96 
Valor de capa: Esta edição não é mais publicada, mas você pode encontrá-la em sebos. Na Estante virtual, por exemplo, o valor mais baixo é R$ 15 e o mais alto é R$ 99 🤷🏻‍♀️


Para quem quiser mais:

Orlando Neto: https://www.instagram.com/miojogeek/
Neil Gaiman: https://www.neilgaiman.com/
Dave Mckean: https://www.davemckean.com/
Capas de Sandman: http://neilgaiman.com.br/quadrinhos/capas-de-sandman-por-dave-mckean/
Bug do Milênio: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-o-bug-do-milenio/

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