Black Dog de Dave McKean: como retratar momentos especiais sem ser óbvio ou piegas 

Nem sei se dá para dizer que esse texto tem spoilers, porque a HQ Black Dog – Os Sonhos de Paul Nash de Dave McKean é um obra complexa, com várias camadas para entendimento.

De qualquer forma, estejam avisados que vou descrever minha visão sobre a história e isso pode entregar boa parte do enredo. Então vamos lá…

Em linhas gerais, McKean conta como a vida pessoal e, sobretudo, a guerra influenciaram o estilo artístico do personagem principal, Paul Nash, um pintor que ganhou reconhecimento por seus trabalhos retratando os conflitos da Primeira Guerra Mundial.

A narrativa, contada por meio de sonhos, pode ser dividida em quatro partes que, apesar de serem únicas, caminham juntas ao longo da HQ. A primeira aborda a relação do pintor com seus familiares.

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A mãe morreu cedo, durante a infância do protagonista, devido a uma doença que consumiu todas as energias e atenções da família. De outro lado, a relação com o pai era distante, pois este estava sempre a “cinco quilômetros de distância”. E seu casamento, que aconteceu sob a sombra do começo da guerra, termina com a falta de empatia que Nash traz depois do fim do conflito armado.

A obra retrata lindamente esses cenários logo no início.

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A segunda camada narrativa aborda as competências da profissão. O que move um artista? Quais são suas características? Qual é a função da arte? Esse é o ponto alto de Black Dog. McKean traduz de forma muito bonita cada um desses enigmas.

Em uma passagem, ele compara um artista amigo do protagonista com pássaros. Cada um com um talento. Um corvo que rouba a beleza da modelo que posa para a pintura. Um falcão que é confiante e domina o espaço. 

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Outro momento sensacional é o em que Nash, depois de ferido em combate, está no hospital e tem uma epifania sobre o que é relevante na concepção de sua arte. Isso é retratado numa travessia, por um jardim cheio de plantas vermelhas espinhosas, que termina onde repousa um ovo perfeito de pássaro.

Em meio aos horrores da guerra, foi onde o artista encontrou a beleza. Ou melhor, foi onde nasceu a linguagem que fez dele um artista singular e reconhecido. Uma metáfora e tanto.

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A terceira linha da história trata da guerra. O calor, o frio, as doenças, a solidão, o medo, o companheirismo, as vidas abreviadas, a morte. O autor, de maneira genial, coloca um diálogo na boca da morte: “Para todos nós, as explosões aconteceram ao nosso redor. Mas e para você, Paul? Acho que a explosão aconteceu dentro de você.”.

O protagonista sente certa culpa por encontrar sua vocação e, também, o sucesso com a guerra – algo que trouxe tanta dor e destruição.

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Dessa maneira, chegamos à última camada. O cachorro preto. Ou black dog em inglês. O cachorro é o elemento que liga todas as narrativas. Toda vez que o protagonista está desconectado das pessoas que são importantes para ele ou mesmo da realidade, o cachorro está presente como se fosse uma muleta.

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Então, em um exercício de autoconhecimento, Paul Nash percebe que o black dog é uma projeção de si mesmo. O personagem literalmente se despe do cachorro e, com isso, encontra paz na sua trajetória e na sua arte. O cenário esverdeado onde a cena ocorre é bem parecido com a vizinhança de sua infância e com a do seu amigo artista-pássaro. Tudo bem amarradinho. Mais uma metáfora brilhante.

Essa edição da Darkside está perfeita. A capa dura é bem bacana e tem um interessante verniz localizado meio “grunge” no título. O papel do miolo não é um couché normal, é um material fosco com uma gramatura ridiculamente grossa.

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Título: Black Dog – Os Sonhos de Paul Nash
Capa dura: 120 páginas
Editora: Darkside
Edição: 1 (22 de maio de 2018)
Dimensões: 30,6 x 23,2 x 1 cm
Peso: 798 g
Valor de capa: R$59,90


Para quem quiser saber mais:

P.S. 1: Eu já falei sobre o estilo de Dave McKean nesse texto: https://cabruuum.com/2017/07/04/quadrinhos-para-adultos-conheca-a-ilustracao-xxx-de-dave-mckean/. Os resultados de suas pinturas, montagens, colagens e fotografias poderiam estar em museus e ele faz isso em HQs.

PS. 2: O projeto dessa HQ foi encomendado por uma fundação que procurava diferentes mídias e artistas para marcar o centenário da Primeira Guerra Mundial. 

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