Rita Linda Louca Lee e a autobiografia

Sempre reconheci a importância da Rita Lee no cenário musical brasileiro. No entanto, suas canções dificilmente entravam na minha playlist. Depois de conhecer sua história de vida e, o melhor, por suas próprias palavras em Rita Lee – Uma Autobiografia, confesso que “Obrigado Não”, “Lança Perfume”, “Amor e Sexo”, “Ovelha Negra” e “Reza” começaram a bombar no meu Spotify.
Mais do que isso, minha admiração pela pessoa Rita Lee Jones só cresceu. Vou contar um pouco do livro e, quem sabe, o mesmo não acontece com você!

Origens da família e infância

Rita descreve sua família como muito amorosa, composta pelo pai, o dentista, Charles Fenley Jones (imigrante norte-americano), pela mãe, a dona de casa, Chesa Jones (de ascendência italiana), pelas irmãs mais velhas Mary Lee Jones e Virgínia Lee Jones, Balú, a fada madrinha, e Carú, sua “bela irmã adotiva italiana” – como carinhosamente as chama.

Foto 1 - Rita Lee e o pais, Chesa e Charles
Rita Lee e os pais, Chesa e Charles

Esse harém morava em um casarão na rua Joaquim Távora, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo – curiosamente, a mesma rua em que eu trabalhava quando lia o livro. A casa da família é descrita como grande, com direito à porão, sótão e um grande jardim. Local perfeito para a criação de animais, paixão que Rita Lee cultiva até os dias de hoje – inclusive, foi a cantora que assinou o prefácio das memórias da apresentadora Luisa Mell, defensora dos animais.
A cantora relata ter crescido em um lar típico da época, em que o pai era a autoridade máxima da casa, porém o tem na memória como um homem amoroso e inteligente, que estimulava a filha a ir além do destino que uma mulher na década de 1950 teria.
Outro detalhe são as referências musicais que Rita já consumia: Carmen Miranda, Emilinha Borba, Nelson Gonçalves, Doris Day, Fred Astaire e Mario Lanza.

Pausa para o momento triste: o estupro

Eu desconhecia totalmente esse fato – talvez a grande maioria dos leitores e fãs também. A máquina de costura de sua mãe quebrou e um técnico foi até a casa arrumar. No momento que conseguiu ficar a sós com a menina, que brincava no chão da copa, o monstro introduziu o cabo da chave de fenda na vagina da criança.
“Não lembro de ter sentido dor, nem do que aconteceu em seguida, certamente deletei esse capítulo. Só sei que desse dia em diante as mulheres (da família) olhavam pra mim como a pequena órfã. A dor delas certamente foi muito, mas muito maior do que a minha”, revela na página 14.
Esse desabafo já diz muito da franqueza que o leitor vai encontrar neste livro. Tanto que não foram poucos os momentos que tive a impressão de estar lendo uma biografia não autorizada em razão da honestidade nas histórias.

Transgressões permeiam a vida de Madame Lee

Foto 2 - Rita Lee maconha
Rita Lee e as drogas – maconha

Por mais estranho que possa parecer, a leveza com que Rita contou essa passagem não me fez associar, em momento algum, o caso à sua rebeldia. E de fato não tem. Rita Lee conta seus problemas com drogas e alcoolismo sem rodeios e os assume sem mea-culpa. Fala sobre as dores (internações, sofrimentos e doenças) e alegrias do vício (música, letra e ousadia) e garante que, depois do nascimento da neta, está livre de coisas pesadas como o álcool e sintéticos.
Em um episódio chapada, Rita despencou da varanda de sua casa, algo em torno de 15 metros, e teve consequências graves. Foram 12 horas de cirurgia. Colocaram um pino de titânio para reestruturar o maxilar esfacelado e silicone nos lábios rasgados. “Minha boca, meu instrumento de trabalho, estava comprometida. […] Fora que perdi 40% de audição no ouvido direito. […] Emagreci dez quilos, de magra passei a esquelética, de bêbada a esotérica, e exilada a mãe pródiga de volta ao lar”, conta na página 233.

Treta de outro mundo

Foto 3 - Rita Lee e Os Mutantes
Rita Lee e Os Mutantes

Outro episódio de destaque é o que envolve a tida por muitos como a maior banda de rock do Brasil, Os Mutantes. Isso porque Rita trata a banda – que a tornou mega conhecida no show biz – com ironia e desprezo, sempre se referindo aos demais participantes do grupo, os irmãos Arnaldo e Sérgio Baptista, como “ozmano”.
Ela alega que a relação começou a desandar quando os companheiros achavam que ela não tinha talento suficiente para acompanhar o novo interesse da banda: o rock progressivo.
Sobre seu ex-marido, Arnaldo, a quem se refere como “Loki”, relata que sentia “nojinho das babas dele” e só aceitou se casar porque a mãe “olhava feio para os pernoites na Serra da Cantareira”.

Ela é fã dos caras

O primeiro amor de Rita Lee foi o personagem Peter Pan. Tanto que, em vários momentos, ela o cita, fosse na infância – quando ganhou um álbum de figurinhas –, como quando viu pela primeira vez um disco voador. Outras de suas paixões foram o ator James Dean e o cantor David Bowie. Em 1994, Rita encontrou o britânico em um show no Brasil, em que ela não aguentou e foi tietá-lo: “I’m such an old fan of yours”, disse em seu inglês natural. Ele, sorrindo respondeu: “Oh! yes, I’m such an old singer, ah, ah”, ele respondeu naturalmente com seu humor inglês.

Foto 4 - Rita Lee e David Bowie
Rita Lee e David Bowie

Beijos, bichos e amigos

Muitos momentos protagonizados por Rita Lee são históricos e hilários e merecem ser lembrados aqui. Como quando ela, raivosa com o tratamento que Alice Cooper dava para as cobras que ele utilizava em seus shows, as roubou do backstage durante a turnê do roqueiro em São Paulo.
Hebe Camargo – que tem sua biografia resenhada aqui no Cabruuum Parte I e Parte II – gostava muito de Rita e vice-versa. Um dia, a Rainha da televisão brasileira encontrou a cantora na sarjeta, em uma rua de São Paulo, loucona de drogas. Hebe levou Rita para casa, deu-lhe banho e comida e pediu para que ela parasse de passar tal vexame.
Vale o adendo histórico que Hebe teve o selinho como uma de suas marcas registradas, mas quem inventou a “moda” entre os famosos foi Rita Lee. Veja a confissão:

Os demais amigos lembrados na obra com muito carinho e passagens que valem a pena serem lidas são: Gilberto Gil, Elis Regina, Ney Matogrosso, Ronnie Von e Tim Maia.

Família Lee de Carvalho

O amor e carinho que Rita Lee usa para se referir ao marido Roberto de Carvalho e os filhos João, Beto e Antônio encantam o leitor. Ela fala dos discos que gravaram juntos, dos projetos que encabeçaram, dos filhos, do aborto que sofreram, da vida sexual e de cumplicidade. É bem bonito!

Foto 5 - Rita Lee e o marido e filhos
Rita Lee e o marido e filhos

Páginas rabiscadas

As páginas 263 e 264 estão no livro, porém rabiscadas. Se tratam do ocorrido em 2012, no Festival de Verão de Sergipe, quando a cantora xingou os policiais que faziam a segurança no local pela forma truculenta com a qual tratavam o público. A justiça proibiu Rita de falar do episódio. Porém, está lá publicado. (risos)

Considerações finais

Vale a pena ler este livro. Linguagem fácil, ritmo gostoso, histórias boas, personagem fantástica.
Abaixo, uma aspa da vovó loucona que compartilhou conosco, sem egoísmo, sua rica história e legado.

“Sei que ainda há quem me veja malucona, doidona, porra-louca, maconheira, droguística, alcoólatra e lisérgica, entre outras virtudes. Confesso que vivi essas e outras tantas, mas não faço a ex-vedete-neo-religiosa, apenas encontrei um barato ainda maior: a mutante virou meditante. Se um belo dia você me encontrar pelo caminho, não me venha cobrar que eu seja o que você imagina que eu deveria continuar sendo. Se o passado me crucifica, o futuro já me dará beijinho.”

Rita Lee Jones, página 265 e 266

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Informações sobre a obra:
Rita Lee – Uma Autobiografia
Editora: Globo Livros
Lançamento: 2016
Páginas: 296


Para saber mais sobre:

Rita Lee: Facebook / Instagram / Spotify
Globo Livros – Rita Lee – Uma Autobiografia: Site

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