Ambiguidade de Loki em arte e texto (HQ Panini)

Loki é uma minissérie de quatro edições, escrita por Robert Rodi, com arte de Esad Ribic, publicada em 2004. Em 2011, ganhou uma animação chamada Thor & Loki – Irmãos de Sangue e, finalmente em 2012, foi relançada pela Panini num volume único.

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Como o título nos faz supor, Loki não é apenas uma HQ centrada no meio irmão de Thor, nós também acompanhamos seus pensamentos e angústias num momento crítico que decidirá – quem sabe, para sempre – os destinos dos irmãos.

Loki_Panini_2Quem está acostumado com o visual do personagem no universo cinematográfico, vai tomar um susto quando se deparar com o novo senhor de Asgard velho e desdentado.

Esta aparência pode se dever à sua natureza de descendente de gigantes de gelo ou – aí entramos nas suposições – pode ser que ele tenha se afastado do reino dourado por algum tempo e, consequentemente, das maçãs douradas (que concedem a vida eterna e juventude dos deuses) para realizar seu plano de conquista. Sim, esta história começa com a ascensão de Loki ao trono de Asgard, enquanto assistimos a um Thor totalmente subjugado.

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Loki é quem nos guia no desenrolar da trama. Acompanhamos sua nova rotina como soberano ao mesmo tempo em que ele começa a questionar suas próprias ações, por isso, não sabemos como se deu a batalha e sua vitória, já que estes assuntos não o preocupam mais e, conforme o virar das páginas, percebemos que isso não é mesmo realmente importante…

Uma das características desta HQ é que parece haver uma tentativa do autor em traçar um perfil, descobrir quem é o Deus da Trapaça nos seus sentimentos mais íntimos. No entanto, se existe uma palavra que (talvez) consiga definir este personagem, essa palavra é ambiguidade.

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Enquanto Loki caminha pelo palácio vazio, faz várias reflexões sobre o caminho que o levou até lá, no meio disso, acontecem conversas com aliados que vêm cobrar suas recompensas por terem estado ao seu lado na guerra, servos que o vêm questionar sobre os próximos passos na manutenção do reino e tudo isso intercalado pelas lembranças do jovem Loki.

Ainda assim, o roteiro não nos dá nenhuma certeza sobre o que de fato aconteceu – temos que reforçar aqui que estamos sendo guiados pelo olhar do Deus travesso, assim, como era de se esperar, todas as suas falas são cheias de meias palavras, o que faz com que ele não se revele nem mesmo para o roteirista ou para os leitores, como se somente o próprio Loki – não importando qual versão sua – fosse capaz de conhecer a si mesmo.

Dentro desta tentativa de se traçar um perfil, ou pelas ações e pensamentos do personagem, nos deparamos com um ser que parece nunca ter estado tão só. A sua solidão é reforçada ainda pela arte de Esad Ribic que sempre o mostra sozinho nos corredores do palácio que agora estão na penumbra. Este sentimento de isolamento parece se tornar ainda maior no presente quando confrontado com suas memórias, principalmente aquelas que envolvem seu irmão.

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Assim que chega ao poder, a ideia que todos os seus aliados e súditos têm é que o desejo maior de Loki é matar Thor. Então, agora que a situação é favorável a isso, ninguém entende o porquê da demora em realizar o ato. A impressão que temos é que agora que conquistou – aparentemente – tudo o que queria, Loki parece não ter mais tanta certeza se era o que realmente desejava.

Loki_Panini_6E aí, percebemos que fomos trapaceados pelo Deus da Trapaça. O que não deveria ser uma surpresa… mas é.

Conforme avançamos na história, continuamos sem certeza nenhuma dos sentimentos de Loki em relação a Thor, pois, se por um lado, temos um Loki ressentido dos afetos negados pela sua família adotiva, do mesmo modo, todas as vezes que ele se refere a Thor, Odin e Frigga, as palavras irmão, pai e mãe continuam sendo usadas de forma muito natural, como se fosse exatamente isso o que querem dizer. O que, mais uma vez, dá o tom da ambiguidade aos sentimentos do personagem central desta trama.

Percorremos algumas cenas do passado, principalmente aqueles momentos que lhe reforçam a solidão, o seu sentimento de rejeição. Loki se sente deslocado, nas suas falas transparece a sensação de não pertencer a lugar nenhum: é pequeno para um gigante de gelo – teoricamente, sua verdadeira família –, mas também não se enquadra nos padrões asgardianos – sua família adotiva que, segundo a sua visão dos fatos, na verdade, são seus sequestradores.

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Daí que temos a ambiguidade pairando novamente, ele parece se sentir rejeitado pelos habitantes do lugar no qual pensa estar preso e ao qual sente não pertencer, ao mesmo tempo em que, por ter sido criado em Asgard, também não possui nenhum tipo de afinidade com Jotunheim – sua terra de origem. Loki se sente um estranho em relação aos habitantes da terra dos gigantes, no entanto, perante os deuses de Asgard, que constantemente lhe lembram de que é um enjeitado, se sente inferior e, de certa forma, humilhado por não alcançar os ideais da cidade dourada.

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Outro ponto importante é a discussão que se constrói acerca do destino. O que começou como uma vitória improvável do Deus da Trapaça sobre o Deus do Trovão aos poucos se transforma num embate solitário de um ser contra as forças do que acredita ser uma sina pré-fabricada.

O roteiro mostra sua riqueza ao usar um tema que poderia soar abstrato, mas que, pelo uso da metalinguagem e pelo contexto em que Loki se encontra, se transforma numa luta pessoal do personagem pra ter um final diferente das suas outras versões.

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Em meio a essas descobertas e lembranças que assumem um novo significado, Loki reflete sobre como foi moldado por seu pai com o objetivo de ser um contraste para a criação de Thor, como suas decisões até agora talvez tenham sido guiadas pela rede da história que estava sendo construída para si sem o seu consentimento ou conhecimento.

Entretanto, nunca teremos certeza se o que estamos vendo é um personagem descobrindo a trama e o destino arquitetados para si ou se é a sua visão (distorcida) embaçando a nossa percepção dos fatos.

Algumas das questões levantadas, por exemplo, são: se o destino é uma mistura das nossas escolhas e de um fado já determinado, até que ponto as ações são mesmo escolhas e, se mudadas, será que poderiam modificar este fim pré-determinado? Ou, já que não importa a versão da lenda que estamos revisitando, se o castigo final é sempre o mesmo, valeria a pena Loki lutar, mudar seu comportamento numa tentativa de se salvar? Seria o maior dos manipuladores apenas mais um dos manipulados do destino?

Se você ficou curioso, leia Loki! É uma ótima HQ, tanto pelo roteiro que dá espaço ao leitor para preencher as lacunas e até mesmo dar um significado extratexto para os acontecimentos, quanto pela arte que, além de ser muito bonita, faz um jogo de luz e sombra que transporta a ambiguidade das palavras para as imagens. Mas, ao chegar à página final, tenha em mente que a palavra que define o Deus da Trapaça é ambiguidade.


Para quem quiser saber mais:

Sobre quem é Robert Rodi: clique aqui
Sobre outras artes de Esad Ribic: clique aqui
Ou ficou curioso pra ver a animação: clique aqui  (Infelizmente, só o primeiro episódio está legendado…)

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