(Se você ainda não viu o vídeo completo, veja aqui em cima e, depois, vem pra cá)
Preacher é uma série de quadrinhos lançada pela Vertigo, em 1995. Este selo é a linha adulta da DC em que tudo que tiver a marca de +18 está liberado. Foi sob este signo que nos presentearam, por exemplo, com Hellblazer, Monstro do Pântano, V de Vingança, Watchmen e o próprio Sandman.
São 66 edições, mais alguns especiais, que Panini relançou entre 2010 e 2014, dividindo tudo em nove volumes, separados pelos arcos da história. O primeiro deles reúne as edições de 1 a 7 sob o título de A caminho do Texas, e é sobre este trajeto que vou falar.
#1 A hora do pastor
Encontramos os três personagens que serão nossos guias durante o enredo numa mesa de bar: Jesse Custer, Cassidy e Tulipa. Eles conversam sobre os eventos que fizeram com que se reunissem e que, para nós leitores, vêm através de flashbacks.
Jesse é pastor em Annville, Texas, e está tento uma crise de fé. Num sábado à noite, num dos bares da cidadezinha, ele bebe e fala mais do que devia, jogando muita merda no ventilador apontando toda a hipocrisia do comportamento dos seus paroquianos.
Este “show” faz com que muita gente fique curiosa e compareça à pregação na manhã seguinte. O problema é que, enquanto Jesse fazia seu sermão para uma “audiência” dez vezes maior que a habitual, no Paraíso, alguns anjos acabam de se dar conta de que Gênesis fugiu de sua prisão.
Pela conversa entre Serafins e Adelphi (tipo de anjo) – e mais tarde, por pistas que observamos ao longo da história –, descobrimos que Gênesis é um ser nascido do amor proibido entre um anjo e uma demônio. A sua existência é tão fora da caixinha das regras estabelecidas entre céu-inferno que seu poder é somente comparável ao de Deus: tem o poder de uma ideia nova, o poder da Palavra de Deus.
Este ser superpoderoso escapa com o objetivo de encontrar uma alma em que possa tomar forma. E o escolhido é Jesse Custer: a possessão ocorre na hora do sermão sobre perdão, seu efeito é tão devastador que igreja e todos que estavam dentro viram cinzas. Literalmente.
Numa cidade próxima, à noite, Tulipa está parada na calçada esperando por alguém. Um carro encosta. Um dos passageiros a assedia e ela dispara o revólver. Mas o tiro acerta o cara errado.
Na fuga, ela usa a arma pra tentar roubar o carro de Cassidy. Coincidências do roteiro da vida. O irlandês não se assusta com a situação: ao invés de entregar o automóvel, oferece uma carona.
Um pouco antes do amanhecer, eles param nos arredores de Annville. Enquanto Cass está dormindo na traseira do pick-up, coberto por uma lona, Tulipa vê a explosão da igreja e dirige até lá. No meio dos escombros, vê Jesse, seu ex-namorado.
Na edição #1, não temos respostas para as perguntas que a história suscita. O que temos é a certeza de que esta será uma trama em que qualquer coisa é passível de acontecer e que nenhum dos personagens é exemplo de cidadão – nem os anjos, os policiais ou o pastor.
#2 E o inferno o seguiu
Depois de ter zero explicação sobre as loucuras da #1, nos deparamos com uma capa estilo velho oeste: um caubói segurando um cartaz de Procurado. O quê a mais fica pela quantidade de corpos que vemos em segundo plano.
Este homem deslocado no tempo é o Santo dos Assassinos. Os Adelphi o libertaram para que encontre Gênesis antes que se torne um com o seu hospedeiro, processo que se iniciou no momento da possessão.
Tudo que sabemos sobre ele são apenas indícios, como o fato do anjo encarregado de acordá-lo ficar completamente assustado com sua tarefa, principalmente após um dos outros comentar que o coração do Santo é tão gelado que, quando ele foi parar no inferno, o Diabo o mandou de volta!
Ainda temos parte da história contada em flashbacks, desta vez, focados no depoimento do Xerife Root, homem que está na média dos caras que têm as suas convicções (a.k.a. preconceitos) e teorias da conspiração envolvendo o governo.
Através dele, somos apresentados a uma das figuras mais populares da série, o Cara de cu. Seu nome verdadeiro não é dito nenhuma vez. Descobrimos que mesmo seu pai, Root, não fala com o garoto desde que ele, num rompante de imbecilidade juventude, tentando imitar um de seus ídolos, deu-se um tiro no rosto.
Confesso que o arco deste personagem foi desconfortável de ler: encaramos uma pessoa que tem uma vida de merda, causada por uma bobagem que fez – por ser muito jovem ou muito burro, decidam vocês – e cujo rosto ninguém consegue olhar sem ficar chocado, inclusive quem está lendo.
Preacher é cheio de humor negro, porém, eu percebi a história do Cara de cu mais como uma das muitas piadas de mau gosto que encontramos pela vida do que algo que foi feito realmente pra rir. Algo pra nos fazer pensar em como a existência pode simplesmente ser escrota às vezes… Mostrando, é claro, a qualidade e riqueza de um roteiro que é capaz de divertir e fazer refletir, mesmo que de forma não muito agradável.
#3 E o cavalo que você cavalgou
Chegamos num ponto em que Terra e Paraíso começam a se intercalar, de forma a percebermos melhor como os acontecimentos estão ocorrendo simultaneamente nestes dois cenários.
Presenciamos uma conversa entre Adelphi que dá pistas sobre a situação lá em cima e nos deixa cabreiros sobre um segredo que os alados estão escondendo do resto da Criação.
Também presenciamos como Jesse e Tulipa descobrem o porquê do estranho comportamento de Cassidy. Situação que causa uma ruptura no trio, mas por pouco tempo, pois outro elemento reforçado nesta edição é a forte amizade que nasceu entre o pastor e seu mais recente comparsa.
#4 Mantendo-se firme
Avançamos na leitura e mais detalhes sobre o passado dos protagonistas são revelados. Mesmo considerando como Jesse e os outros aceitam com naturalidade todas as insanidades pelas quais estão passando, o roteiro sempre surpreende e entrega mais informações perturbadoras…
Neste ponto, acontece um encontro envolvendo vários personagens que até então não tinham se visto pessoalmente. Daí, temos um confronto digno de westerns e revelações dignas de thrillers.
Na edição #4, é onde Cara de cu ganha o seu apelido…
…e Jesse começa a usar os poderes que a possessão lhe concede para descobrir o que caralhos realmente está acontecendo.
Na conversa com o anjo, o pastor descobre que Deus saiu pra comprar cigarros numa jornada pela Terra e não voltou mais e que isso aconteceu no momento da concepção de Gênesis.
#5 Uma oração para sete balas
Em Preacher, somos sempre surpreendidos no virar das páginas por imagens e ações que chocam pela violência, gore e humor negro. Outras vezes, nos chocamos com imagens nada agradáveis logo de cara na capa.
Fugindo da polícia e procurando por Deus, o trio faz uma parada em Nova Iorque, onde são envolvidos numa subtrama com direito a policiais de moral duvidosa e um serial killer com motivos espúrios.
Uma vez mais, o roteiro expõe cidadãos respeitáveis que, sob a superfície, são capazes de ações baixas e vis, mostrando a hipocrisia das pessoas e como baseamos nosso julgamento na aparência em detrimento da essência.
Em contraste a isso, Jesse e Cass se apresentam como pessoas de boa índole, ainda que na aparência possam ser considerados como escória numa sociedade dissimulada. Eles agem como se a humanidade ainda fosse algo pelo qual se vale a pena lutar.
#6 Os melhores de Nova Iorque
Quase no fim do arco, na edição #6, parece não acontecer nada, ao mesmo tempo em que acontece um monte de coisas.
São explicitadas diferenças entre os personagens, ainda na pegada aparência x essência. Como leitores, a essa altura já estamos calejados: torcemos o nariz para o cara que é certinho demais, desconfiando que, como quase todo ser humano, talvez exista algo podre por baixo da superfície reluzente.
Por outro lado, por mais que alguém tente ser uma boa pessoa, e, por isso, mereça ser recompensado de alguma forma, sabemos que não é assim que as leis do universo funcionam e que merda acontece com gente decente – mesmo na ficção.
#7 Nova Iorque contra o crime
Chegamos à edição que finaliza este arco, com o desfecho da subtrama ambientada na Grande Maçã.
O enredo cumpre as expectativas entregando cidadãos de bem com motivos escusos para seu comportamento “anormal”. Temos uma tonelada de humor negro escancarando todos os tipos de preconceitos dos quais somos capazes. Se você procura por algo positivo sobre nós, não é aqui que você encontrará.
Amizades são desfeitas por um assassino com rompantes de vilão clássico de quadrinho, nos divertimos com as cenas protagonizadas por Cass e seu carisma de anti-herói, enquanto Jesse prova mais uma vez seu espírito de “bom pastor”.
Há, é claro, um gancho para a retomada da trama principal: Jesse e Tulipa voltam para o Texas em busca de respostas. Cass resolve seguir outro caminho, mas deixa a dica de que estará de volta ao trio em breve.
†
Preacher foi roteirizada por Garth Ennis, com arte de Steve Dillon – a dupla já tinha uma parceria em Constantine. Ennis trabalhou também para a Marvel, escrevendo para Justiceiro e Motoqueiro Fantasma; Dillon, por sua vez, fez artes de outro ícone da Vertigo, o Homem-Animal.
Com um estilo realista, as capas foram criadas por Glenn Fabry, artista premiado que, entre outras coisas, fez a arte de Destruição, história que faz parte de Noites sem fim. Uma curiosidade é que a capa da edição #1 de Preacher serviu de modelo para um dos cartazes da série:
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Para quem quiser saber mais:
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Gostei, bem interessante! Ainda consigo encontrar as HQs?
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Oi, Ricardo!
Fico feliz que a resenha tenha despertado sua curiosidade pra essa HQ, ela é realmente muito boa!
A Panini lançou entre 2010 e 2014 os encadernados da série, mas o volume 1 esta(va) esgotado. Pelo menos essa é a informação que a gente encontra no site da editora quando faz a busca.
Mas eles tinham prometido o relançamento para 2016, e em algumas lojas especializadas você já consegue fazer a encomenda na pré-venda (http://www.comix.com.br/product_info.php?products_id=27074).
Acredito que você também consiga encontrar os encadernados e/ou as edições soltas em sebos, mas aí já vai requerer um pouquinho mais de paciência pra garimpar os sites e as estantes 🙂
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